23 | Corra e olhe o céu 🕶️
Que o sol vem trazer bom dia e será eclipsado totalmente pela lua no evento astronômico mais observado da história.
“One’s destination is never a place, but a new way of seeing things”, do escritor norte-americano Henry Miller.
Um eclipse solar total acontecerá na próxima segunda-feira, 8 de abril de 2024. O cartógrafo de eclipses Michael Zeiler disse à Forbes que provavelmente será o evento astronômico mais visto da história norte-americana. Se você, assim como eu, desconhecia uma profissão tão poética quanto essa, tire um momento para apreciá-la.
Questionado se já havia ouvido falar em cartografia de eclipses, meu companheiro, quem me ensinou a olhar mais para cima, negou. Não sem deixar de comentar que deve ser um ótimo cargo, já que só trabalha bem de vez em quando. Piadas de gosto duvidoso à parte, a função dá conta de desenhar a rota de um fenômeno mesmo raro, pelo menos o total, aquele que transforma o dia em noite. O último foi em 2017, enquanto o próximo só deve acontecer daqui a nove anos.
O chamado Grande Eclipse da América do Norte será assistido por 31 milhões de pessoas. Com duração de quatro minutos e 28 segundos, o espetáculo astronômico poderá ser visto apenas do Hemisfério Norte — completamente dos Estados Unidos, do Canadá e do México, parcialmente na Europa, de onde torço para que a previsão de chuva não se confirme. É possível visualizar o “caminho do eclipse” em uma projeção com horários feita pela NASA.
Cerca de 4 milhões de turistas devem viajar para algum destino da rota do eclipse, sendo Texas, Indiana e Ohio as localidades preferidas. É muita gente interessada em assistir à lua sublimar o sol, tornando noite o dia. Mal posso esperar pelas fotos: não só do eclipse em si, mas das pessoas com aqueles óculos engraçados que protegem a retina. Ao fim desta edição, deixo uma provinha. É bonito quando olhamos todos para a mesma direção e, mais do que isso, nos permitimos o espanto coletivamente.
Junto das Olimpíadas em Paris, o eclipse de 8 de abril está entre os eventos com maior impacto no turismo mundial em 2024, segundo este report de tendências de viagem. É a força do turismo de observação do céu, stargazing em inglês. Se na antiguidade os astros indicavam os caminhos a serem percorridos, hoje são as próprias razões para viajar.
Eclipses, surgimento de planetas ou cometas, além de chuva de meteoros estão entre os fenômenos que motivam os deslocamentos. Por outro lado, também há a intenção mais singela de enxergar com maior nitidez o que a poluição atmosférica e luminosa das cidades escondem. Nestes locais de céu limpo e escuro — normalmente mais altos, longe de centros urbanos e em áreas mais secas —, o espetáculo acontece todos os dias do ano.
No meu último aniversário, viajei de motorhome com amigos pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, um lugar bem selvagem em Portugal. O aplicativo Park4Night sugeriu que estacionássemos em um terreno à beira-mar onde será construído um resort de luxo, não muito longe das areias onde a Madonna costuma cavalgar ou do novo endereço do hotel assinado por Christian Louboutin. Fui dormir contando estrelas-cadentes pela escotilha e pensando que ainda bem que aquele luxo ainda era de graça.
Pesquisando um pouco mais para as minhas andanças e para a própria newsletter, descubro que, de fato, o Alentejo é um destino importante para o turismo astronômico. Possui um céu de qualidade comparável ao Deserto do Atacama, no Chile, onde estive há alguns anos. Daquela vez, o protagonismo ficou por conta da lua cheia, cuja luminosidade soberana impediu que as constelações fossem vistas no passeio noturno acompanhado por um astrônomo. Ficou o aprendizado para escolher outro período lunar em uma próxima oportunidade.
Algo que me encanta nisso de observar o céu é a mudança do que vemos conforme a nossa localização. De vez em quando, troco fotos da lua com uma amiga que está no Brasil. Nas fases crescente ou minguante, o nosso satélite natural aparece como se estivesse espelhado nas imagens. O ponto de vista altera tudo, da lua à Via Láctea, às nossas vidas.
Daqui de cima, sinto uma falta danada de ver o Cruzeiro do Sul. O consolo no céu do Norte fica por conta da Estrela Polar ou da Ursa Maior. O aplicativo gratuito Sky Map ajuda a identificá-las, além de dar a conhecer mais do firmamento, inclusive no dia a dia. É mais uma forma de estar na natureza e de me sentir pequena diante da imensidão, além de relativizar os problemas mundanos. Há algo bem maior, sempre há.
Mas antes de olhar para cima à noite, não esquecer que o olho humano precisa de um tempo para começar a perceber os detalhes. A isso chama-se adaptação, uma habilidade que ainda mantemos em conjunto, assim como a sensação de deslumbramento diante do céu noturno.
FLÂNEUSERIE 💃🏻
[Recomendações de lugares por onde andei, testei e aprovei]
— Deserto do Atacama, Chile: fiz um tour astronômico, mas gostaria mesmo era de ter ido ao Observatório Alma;
— Cabo Polônio, Uruguai: povoado de praia rodeado por dunas e sem energia elétrica que garante céus estrelados, assim como em boa parte do paisito, tendo em vista que a população está concentrada apenas em Montevideo;
— Aldeias do Xisto, Portugal: há um rota delas espalhadas pelo interior, com povoações toda de pedra e baixíssima poluição luminosa, mas recomendo em especial aquela que dá nome ao alojamento Cerdeira Home for Creativity;
— Observatório Astronômico da UFSC, Brasil: na década em que morei em Florianópolis, frequentei algumas sessões de observação, gratuitas, das quais saí encantada;
— Vale do Tua, Portugal: pertinho do Vale do Douro, há esta região belíssima certificada pelo Starlight como um destino turístico propício para stargazing.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Reserva Dark Sky de Alqueva, Portugal: a região alentejana onde é possível contar castelos medievais, megalíticos e todas as estrelas a partir de um céu bem escuro;
— Big Bend National Park, no Texas: com destaque para o hotel-nômade El Cósmico, voltado para a observação astronômica;
— Parque Estadual do Desengano, Brasil: o primeiro do país a ser reconhecido pela Dark Sky Parks, que começa a atrair turistas;
— Aoraki Mackenzie International Dark Sky Reserve, Nova Zelândia: há planetários, observatórios, telescópios e visitas guiadas, além da possibilidade de ver a Aurora Australis;
— Reserva Natural NamibRand, Namíbia: por ser bem remoto, é um dos lugares naturalmente mais escuros ainda acessíveis na Terra.
→ Tem alguma recomendação? Deixa pelos comentários!
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— El botón de nácar, filmado em um barco à vela na Patagônia que faz um paralelo das paisagens glaciares e de montanha com os desaparecimentos políticos e étnicos durante a ditadura de Pinochet. Faz lembrar o Nostalgia de la luz, disponível no YouTube;
— Fique no subúrbio de Paris, se você vai às Olimpíadas 2024;
— Cuentos verdaderos, é o novo livro de Rosa Montero a ser lançado na Espanha em agosto. Adorei a capa, que faz alusão ao quadro As meninas, de Diego Velázquez;
— Para onde viajar sem gastar muito em 2024, reportagem do NYT;
— Um hotel de luxo para mulheres que acabaram de dar à luz e seus bebês, em Taiwan;
— O show do eu, edição ótima da
sobre exibicionismo na academia e nas redes sociais, que é perfeitamente aplicável ao contexto das viagens;— Diários e passeios, quarta e última parte de um especial sobre leitura escrito pela
. Neste, ela aborda a maravilha que é sair em passeio por livrarias e bibliotecas.Obrigada por ter lido até o fim! Para quem é da astrologia, conta para mim os efeitos deste eclipse solar total de segunda-feira? Espero que leves!
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Com carinho e mistério,
“A imaginação muitas vezes nos leva a mundos que nunca sequer existiram. Mas sem ela não vamos a lugar algum”, Carl Sagan.
lindo seu texto! também tive oportunidade de fazer o passeio no atacama, que experiência incrivel!
Gabi, sou fascinada por esse "esporte" que é olhar o céu e nem sabia que tinha se tornado uma tendência do turismo, faz todo sentido.
Não tenho uma bagagem cheia, mas o céu mais bonito que já vi foi na ilha grande, na praia de Palmas. Como não tem luz elétrica, as estrelas brilham de um jeito muito diferente!
Obrigada pela menção! 🥰