28 | Turismo do sono 😴
Mentes e corpos exaustos não vão muito longe, a menos que seja para dormir.
“El sueño de la razón produce monstruos”, título de obra do pintor espanhol Francisco de Goya, em 1799.
Está difícil pensar em qualquer coisa que não seja a catástrofe climática, que também é política, no Rio Grande do Sul, terra da minha família materna. Já são mais de 100 mortes enquanto escrevo esta edição, muitas delas poderiam ter sido evitadas. Quem fica, precisa da nossa ajuda agora — em dinheiro, água, tempo, roupas, visibilidade, itens essenciais, combate à desinformação e palavras de conforto — para reerguer a si próprios, cidades inteiras e todo um Estado. Priorize mulheres e crianças, populações indígena e quilombola, que estão ainda mais expostas, sem esquecer dos animais, no momento de fazer uma valiosa doação. E não vote em quem não enxerga a emergência do clima.
Coletivamente, vivemos a era das ansiedades, sendo a eco-ansiedade talvez a mais recente entre tantos desassossegos. Assim como aconteceu na pandemia, tento controlar o acesso à informação para dar conta de processar tudo sem adoecer corpo e mente. Invariavelmente, vejo a qualidade do sono deteriorar-se.
Há quem diga que a dificuldade para dormir já é uma epidemia, inclusive agravada por tantos eventos trágicos vividos em simultâneo e com cobertura em tempo real. Isso sem contar o estilo de vida moderno sobrecarregado de estímulos. Não à toa surge uma tendência: viajar para dormir, como que para compensar nas férias as noites mal dormidas durante o ano.
Se houver interesse em certa dose de escapismo para respirar antes voltar à realidade, sem qualquer intenção de desmobilizar, continue a leitura. Do contrário — entendo, respeito e solidarizo-me —, vemo-nos em outro momento ou na próxima edição. Talvez você se interesse em ler sobre o “trauma vicário”, fenômeno descrito pela cientista Lígia Moreiras que merece atenção neste momento.
Até os meus 20 e poucos anos de idade, viajar era sinônimo de voltar para casa exausta, ainda que recarregada por viver tantas experiências distintas da minha rotina. Montava itinerários imensos, caminhava até dar bolhas nos pés para percorrer todos os lugares listados e dormia pouquíssimo. Costumava dizer que precisava de férias para recuperar-me das férias.
Vivendo a década seguinte, ainda me pergunto como era possível dar conta. Hoje, é completamente impensável deslocar-me naquele ritmo. Com cada vez mais frequência, viajo para descansar no ato de “fazer nada”. Talvez o próximo passo seja fazer turismo do sono, uma tendência dentro de outra na indústria das viagens: a do bem-estar, uma das mais expressivas delas.
São hotéis pensados para viajantes cansados que querem recuperar o sono perdido, se é que isso é possível. Para tanto, oferecem camas, lençóis e travesseiros de alta qualidade, cardápios com comes & bebes que propiciam o descanso, quartos com isolamento acústico de ponta, iluminação específica e livre de telas, aromaterapia, sessões de ioga, meditação e até avaliação médica. Muitos deles querem que os hóspedes durmam bem não só durante a estadia, mas também na volta para casa a partir do que aprenderam nessa espécie de retiro em verdadeiros “oásis” do sono.
O autointitulado primeiro SPA do sono em todo o mundo está em Portugal, mais especificamente em Coimbra, às margens do rio Mondego. Construído pela Hästens, fabricante sueca de camas e colchões que chegam a custar 200 mil euros, o hotel-vitrine da marca possui 15 suítes desenhadas especificamente para que os hóspedes durmam bem. As diárias para atingir um “sono superlativo” começam em 300 euros.
O Sleep & Nature é outro alojamento que segue a tendência, talvez consolidando o país como um destino silencioso — e aqui faço parênteses para me lembrar do motivo de escritoras como Rosa Montero e Leïla Slimani terem escolhido Portugal para residências literárias —, mas desta vez mais afastado da cidade, na paisagem rural do Alentejo, o que penso ser mais propício para atingir o sono REM, aquele mais profundo e reparador. O hotel foi pensado por uma neurologista que trabalha com terapias do sono conjugadas à natureza. Custa metade do preço do anterior, em média.
Embora alojado na indústria de luxo, a verdade é que não é preciso desembolsar fortunas para fazer turismo do sono. Para mim, o elemento fundamental para uma boa noite de descanso pode ser encontrado na natureza, justamente essa que teimamos em maltratar. Além de silêncio, não há nada melhor do que os sons que vêm dela para dormir e acordar bem.
Para ajudar na hora de criar um roteiro para restaurar o sono, a Quiet Parks International lista os lugares potencialmente mais silenciosos em todo o mundo que, obviamente, estão longe das grandes cidades. O Pantanal, o Parque Nacional do Jaú e o Atol das Rocas são os destaques brasileiros. A mesma organização também promove experiências de silêncio presenciais e online, como banhos de floresta, cerimônias do chá e trilhas.
Independentemente se o descanso está no mato ou na cidade, o importante é que seja priorizado sempre que possível. Férias radicais, como diria Caetano. Em tempos de busca por alta performance até no viajar, abrir mão de riscar itens em uma lista sem fim de lugares para dormir bem, apreciar o tédio ou conectar-se com a natureza pode ser bem mais benéfico do que se supõe. Mais do que nunca, é preciso estar atento e forte.
FLÂNEUSERIE 💃🏻
[Recomendações de lugares por onde andei, testei e aprovei]
— Hotel A Miranda, na Espanha: para onde viajei com meu bichinho e contei na última edição. É um hotel de natureza, bastante silencioso, onde é possível tomar banho olhando as montanhas e a ria;
— Jardim dos Sentimentos, no Porto: é um dos lugares silenciosos listados pela Quiet Parks International, cheio de oliveiras, uma espécie de labirinto em calçada portuguesa e vista para o rio Douro;
— Casa em frente à Lagoa da Conceição, em Florianópolis: um espaço muito charmoso para dormir e acordar com o som da água batendo no quintal;
— Lima Escape, no Parque Nacional da Peneda-Gerês: parque de campismo com glamping, uma das tendências para viajar em 2024, em uma península de rio onde o único barulho para além da natureza é o sino de uma igreja do outro lado da margem;
— Montebelo Vista Alegre, em Ílhavo: no hotel anexo à tradicional fábrica de cerâmicas portuguesa, o destaque fica por conta da sauna, banho turco e piscinas interna e externa, além da cama do quarto.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Zedwell Hotel, em Londres: um dos primeiros no segmento sono, aposta em isolamento acústico e em uma estadia sem eletrônicos;
— Trilho da Lombadinha, no Norte de Portugal: também é um local marcado como silencioso pela Quiet Parks International;
— Grand Hotel Tremezzo, na Itália: situado no paradisíaco Lago de Como, possui um SPA premiado que oferece um tratamento corporal de quase duas horas com plantas e ervas da região para promover um sono profundo;
— Anantara Al Jabal Al Akhdar Resort, em Omã: hóspedes podem ganhar massagem nos pés diretamente na cama, além de relaxar em banhos aromáticos com vista para as montanhas rochosas;
— Montañas Vacías, na Espanha: uma percurso em uma área pouquíssimo povoada para trilhar em bicicleta e apreciar o silêncio.
→ Tem alguma recomendação? Deixa pelos comentários!
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— Experiências icônicas, o novo lançamento do Airbnb, que oferece a possibilidade de dormir em lugares inusitados, o Museu D’Orsay, em Paris, e o Museu da Ferrari, na Emilia-Romagna;
— Abraçar para vacas para desestressar, uma nova “terapia” holandesa que está ganhando o mundo, citada pela Gisela Gueiros, que recentemente também escreveu sobre escuta e capacidade de prestar atenção;
— Livros que questionam a desumanização provocada pela especulação imobiliária, pela qual a atividade turística também é responsável;
— SOL Lamp, a belíssima luminária da designer e arquiteta brasileira Mariana Schmidt, que levou o IF Design Award 2024;
— Tarta de queso basca post appreciation, a verdadeira, sem coberturas por cima.
→ Sugestão de leitura para quem está no clima do Dia das Mães:
Obrigada por ter lido até o fim! Me conta se algo do que escrevi fez sentido por aí? Vou adorar saber se você também tiver alguma dica para me dar ou seguir alguma recomendação minha.
Bom proveito e até a próxima edição – toda sexta-feira na tua caixa de entrada ou no aplicativo do Substack!
Um abraço,
“Um dia vou aprender a partir
vou partir
como quem fica
Um dia vou aprender a ficar
vou ficar
como quem parte.” — Ana Martins Marques.
Que coincidência: ontem (25/5) eu terminei de revisar e deixei agendada uma edição da minha newsletter para a próxima terça, 28/5, pois estarei viajando, e eu abordo diferentes tipos de férias e margeio de leve o assunto da sua edição. Adorei!