32 | Midsommar ⛱️
A festa que é a chegada do verão nos países nórdicos. Sugestões de lugares para visitar em Copenhague e arredores nos dias mais longos do ano. E fotos analógicas pela Escandinávia.
“Do not tire, never lose interest, never grow indifferent — lose your invaluable curiosity and you let yourself die. It’s as simple as that”, Tove Jansson, escritora, pintora e desenhadora finlandesa de expressão sueca.
Na minha primeira visita a Copenhague há dois anos, voltei para casa deslumbrada com muitas coisas, mas impressionada mesmo com um termômetro. Alojado na esquina de um prédio, a marcação em graus celsius indicava a oscilação mais provável na capital da Dinamarca, um dos países da Península Escandinava: entre 20 negativos e 20 positivos. Era primavera e eu ainda vestia um sobretudo que me incomodava ao pedalar em uma cidade planejada para bicicletas. Pensei que o verão no Norte da Europa seria uma chatice, tanto que fiz planos de voltar no inverno.
Calhou do retorno acontecer novamente às vésperas da estação estival, no início deste mês. Uma amiga anunciou que viria do Brasil para conhecer a cidade, outra que mora em Berlim também voaria até lá e, então, a viagem estava marcada. Ainda tenho vontade de conhecer o rigor da estação mais fria do ano que impõe o estilo de vida hygge — sobretudo ainda mais para cima do mapa, para assistir à aurora boreal —, mas agora sei que verdadeiramente faz calor nos países nórdicos. E que é mágico.
Segundo as pessoas locais, os dias quentes não somam mais do que duas dezenas ao ano, e tive a sorte de viver um fim de semana deles. Por outro lado, a temperatura supera ligeiramente os 20 graus, o que me faz pensar que o termômetro daquela praça central deixe de funcionar momentaneamente. De fato, tudo parece ficar em suspenso para ser vivido com entrega de corpo e alma, tamanha a raridade do evento.
Se no Sul da Europa o slogan do verão é o italianíssimo dolce far niente, resumido pela doçura de não fazer nada, na Dinamarca, na Suécia e na Noruega, é organizada uma festa para celebrá-lo1. Tradição milenar, o Midsommar é um festival de um dia inteiro, mais especificamente o dia mais longo ano, nem sempre o mais quente, marcado pelo solstício. Família e amigos reúnem-se para comemorar noite adentro, ainda que em alguns lugares de elevada latitude a claridade seja tanta que sequer escureça completamente: eis o fenômeno da noite branca, que na verdade é azulada.
Ritualísticos, fazem brincadeiras, cantam e dançam, comem arenque, truta e salmão, salada de batatas com pepino, dill e mostarda, arrematam com uma torta de natas frescas e morangos da época, bebem cerveja ou snaps e usam uma coroa de flores na cabeça, em alusão pagã à fertilidade. Tudo ao ar livre. Se estiverem pela costa, mergulham no mar.
Depois, costumam emendar férias longas e remuneradas por um Estado de bem-estar social robusto, base para a felicidade dinamarquesa. A presença do sol muda mesmo tudo, mais ainda para quem passa meses a fio mais dentro do que fora de casa, em um território escuro e gelado. Não há design de luminária premiado que substitua o efeito solar, e olha que há inúmeros.
Pelo o que é, o verão nórdico tem atraído cada vez mais visitantes. Não só pela efeméride que o constitui, mas também pelas mudanças climáticas — o que não deixa de ser didático, já que além de fabricar Ozempic e engordar os cofres públicos, a nação dinamarquesa lida de frente com o aquecimento global. Com tantas ondas de calor entre junho e agosto em países como Grécia, Itália e Espanha, o Mediterrâneo começa a ser trocado pelas águas do Norte. Sim, são geladas, como pude comprovar em uma espécie de batismo que antecedeu um passeio de barco — e todo um período veranil pela frente —, além de profundas, de um azul-marinho intenso e límpidas.
A verdade é que ver tantas pessoas se jogando no verão contagia mais que bocejo, com a diferença de energizar. Deslumbra quem vem de um lugar que dá o tempo estival como certo. Dá vontade de fazer parte, conviver, estender uma toalha num parque bem verde e brindar, fazer praia em qualquer lugar, morder fruta madura, deixar o sumo escorrer e misturar-se ao suor, descontrair cada músculo, sentir o sol finalmente queimar a pele e apreciar o sol baixar-se lentamente para logo levantar-se de novo. Parece até uma metáfora para a transitoriedade das estações.
É tão bom que o impulso é fazer parar o tempo, mas aí não seria o que é: extraordinário a ponto de manter uma fogueira joanina acesa dentro do peito o ano todo. Verão também é estado de espírito, cujo cultivo lembra que a vida é agora.
Feliz solstício, feliz Midsommar e feliz São João!
FLÂNEUSERIE 💃🏻
[Recomendações de lugares por onde andei, testei e aprovei]
— Islands Brygge: um parque à beira-mar em Copenhague, onde é possível tomar sol, dar um mergulho e alugar um barco elétrico com a GoBoat para sair pelos canais, sendo os de Christiania os mais charmosos. Ali perto, a Freetown também merece a visita e, um dia, uma edição específica desta newsletter;
— Louisiana Museum: museu de arte moderna em Humlebæk com parque de esculturas, galerias, restaurante, loja com o melhor do design nórdico e até pier à beira-mar. Escrevi mais aqui;
— Slottsträdgårdens Kafé: saído de um conto de fadas, dentro de um parque na cidade sueca de Malmö, opção de day-trip a partir da capital dinamarquesa. Oportunidade de praticar a cultura do fika, que consiste em uma pausa para café e um docinho, quase sempre um rolinho de canela;
— Frama Studio: uma concept store instalada em uma antiga farmácia dos anos 1700 cheia de luz natural, bem próximo de dois cafés excelentes, o Apotek 57 e o Atelier September, esse último famoso pela febre local da whipped butter;
— TorvehallerneKBH: o belo mercado público de Copenhague, ideal para um happy hour com cerveja local, ostras frescas e Smørrebrød, o sanduíche aberto dinamarquês.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Butterfly House: uma estufa onde é possível observar a transformação de várias espécies de borboletas, no Jardim Botânico de Copenhague;
— Refshaleøen: ilha que já foi distrito industrial, mas que hoje abriga espaços interessantíssimos para conviver, fazer praia no verão e sauna no inverno, comer & beber ou simplesmente admirar a arquitetura nórdica. Exemplos: La Banchina, Reffen Street Food, Alchemist, Lille Grocery, Urban Rigger e Copen Hill;
— Royal Danish Library: uma biblioteca pública enorme e à beira-mar. Uma das principais escritoras do país, inclusive, Karen Blixen, de quem li A festa de Babette, tem um museu dedicado que me deixou curiosa;
— Ordrupgaard: outro museu de arte nos arredores de Copenhague que parece conjugar arte e natureza com maestria. Caso não queira pegar o trem para sair da cidade, o Glyptoteket com suas esculturas e seu jardim de inverno também parece ser uma ótima opção, além do SMK, cheio de Henri Matisse para quem gosta de cor;
— Ribersborgs Kallbadhus: sauna e banhos públicos com uma vista de cortar a respiração, em Malmö.
→ Tem alguma recomendação? Deixa pelos comentários!
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— Noite de verão, série norueguesa disponível na Netflix meio novelesca, mas gostosinha de assistir. Para conhecer a tradição sueca do Midsommar;
— Trilogia de Copenhagen, uma das minhas leituras atuais, da “precursora de Annie Ernaux e Elena Ferrante”, a arrebatadora Tove Ditlevsen;
— Greek Islands, 1960s-1980s, fotos belíssimas que exalam verão feitas pelo fotógrafo alemão Konrad Helbig;
— Sagrada Família concluída em 2026, a tempo de homenagear o centenário de Gaudí;
— Flertando no MALBA, a tour romântica em um museu de Buenos Aires.
Obrigada pela leitura! Desejo um ótimo início de estação, seja verão ou inverno. Tem algo mais gostoso que esses dias de transição, que nos lembram de que tudo é passageiro?
Por aqui, vou celebrar o fim de semana prolongado acampando em uma península fluvial para proteger os ouvidos do meu cachorrinho dos fogos de artifício do São João no Porto. Desejem-me sorte para este debut de Bitoque!
Bom proveito e até a próxima edição – toda sexta-feira na tua caixa de entrada ou no aplicativo do Substack!
Um abraço afetuoso,
“Ser jovem é, em si, algo temporário, frágil e inconstante. Precisa ser superado, outro sentido não tem”, Tove Ditlevsen.
A Igreja cristianizou a celebração pagã do solstício de verão no Sul da Europa, atribuindo-lhe São João Batista como padroeiro. O São João do Porto é uma das principais festas e acontece na madrugada do dia 24 de junho, feriado nacional. Os portugueses levaram a tradição ao Brasil, onde se fortaleceu principalmente na região Nordeste ao incorporar elementos indígenas e africanos. Os festejos nórdicos de verão mantêm-se sem influência religiosa.
Eu confesso que não conhecia a tradição do Midsommar até o lançamento do filme de mesmo nome alguns anos atrás. Mas tenho curiosidade pela Escandinávia. Tenho amigos em Estocolmo e Helsinque, então está nos planos conhecer a região na minha próxima ida à Europa (que pode ou não acontecer em 2025).
Uma sugestão de tema para uma edição futura da newsletter: seu processo de separar as dicas para as três seções do final. Eu fico curioso com isso, hehehe.
Adorei essa edição! Comecei a namorar uma viagem pra Copenhagen esse ano, muito atraída pelo hygge e, confesso, a estética nórdica rs Fico pensando se é factível fazer a ponte aérea só até lá ou faz mais sentido casar com outro destino mais ao norte, por ex, Alemanha.