35 | Sobriedade também é aventura 🚰
O que a tendência das viagens sem o consumo de álcool pode ensinar a quem tem curiosidade de criar memórias nítidas sem o impacto de uma ressaca.
màn yóu
Vaguear é explorar e descobrir o mundo que nos rodeia. 漫游 em mandarim, capta esse sentimento de aventura e curiosidade. É composto pelos caracteres "漫" (màn), que pode significar "vagar", "sem limites", "extensivo", e "游" (yóu), que significa "viajar", "nadar" ou "passear". Esta palavra nos incentiva a buscar novas experiências e perspectivas.
漫游
Da newsletter da AIGO livros, livraria migrante em São Paulo, no Brasil.
Ainda estou surpresa com a repercussão do último envio: Quando a viagem é feita para ser postada. Foi de longe a edição mais lida, curtida, comentada, compartilhada e assinada da nossa breve história de correspondência. Como não poderia deixar de ser, o assunto segue reverberando por aqui e, dada a abrangência, possivelmente voltará a ser abordado.
Mas não hoje, talvez indiretamente. O ponto é que voltei de viagem querendo fazer um detox. Da dopamina gerada pelas fotos que compartilho com “atraso” no Instagram? Também, mas antes de álcool. Não que eu tenha me excedido, até porque já faz muito tempo que privilegio qualidade à quantidade. Mas por sentir os efeitos mesmo consumindo pouco — sono agitado, indigestão, ansiedade etc, sem falar naqueles a longo prazo, sobre os quais venho pensando com mais frequência.
Acontece que morando em Portugal, onde mais se bebe vinho no mundo, isso é um bocadinho mais difícil. Não estava nos planos, mas quando dei por mim estava levemente entorpecida em uma adega às 11 horas da manhã. É que, ao chegar ao Alentejo nos últimos dias, me dei conta de que já estávamos em época de vindima, então decidi marcar uma prova de última hora.
O calor excessivo que antecipa a colheita em relação às outras partes deste país feito de uvas também fez com que o álcool não me caísse tão bem. Soma-se a isso o fato de que não parei por aí. Fui de uma herdade a outra, na segunda para almoçar, mas também brindar a vida da pessoa com quem divido a minha. Na volta para casa, ainda cogitamos uma viagem de despedida do verão. O destino? Bordeaux, a Cité du Vin.
A verdade é que a cultura de vinhos me encanta. Tudo o que está ao redor da mesa e que possibilita encontros. São os elementos que priorizo em uma viagem. Dia desses uma amiga lembrou de uma noite que fomos a um bar de vodka na Polônia: bebemos destilados típicos, conhecemos outros viajantes e trouxemos algumas garrafinhas nas mochilas. Uma delas, degustei com outros amigos em casa, na volta, e apaguei antes mesmo de irem embora. Talvez degustar não tenha sido a palavra mais adequada, pensando bem.
Para evitar ressaca física e moral, priorizar um estilo de vida saudável focado em bem-estar, cada vez mais turistas optam por uma experiência seca quando viajam. O sober tourism, turismo sóbrio em tradução literal, já é visto pela indústria como uma tendência, que acompanha a queda no consumo geral de álcool em todo o mundo mundo, especialmente pela população mais jovem. As campanhas Dry January e October Sober estão aí para provar a intenção de consumir menos ou até parar no dia a dia, movimento esse que se estende às férias.
Há um número crescente de adultos no mundo todo se tornando "curiosos pela sobriedade". Essas não são pessoas em recuperação ou que têm um problema de dependência, mas simplesmente aquelas que estão reexaminando seu relacionamento com o álcool.
John Holmes, professor de política de álcool na Universidade de Sheffield, em entrevista ao SCMP.
Se antigamente Millenials faziam pub crawl a cada nova cidade visitada, a geração Z está de olho é em mocktails, as bebidas sem álcool que estampam um número crescente de drinks. Completamente lúcidos, poupam-se da vergonha — e da tragédia — que ronda os praticantes do balconing. Trata-se de um “esporte” feito por turistas do Norte da Europa em visita aos países do Sul, nomeadamente a Espanha. Completamente bêbados, desafiam-se uns ao outros a pular entre as varandas do hotel onde estão hospedados ou até mesmo em direção à piscina. Infelizmente, é muito comum envolver acidentes, inclusive fatais.
Seriam as mortes causadas por selfies arriscadas equivalentes àquelas ocasionadas por balconing em termos de embriaguez turística?
É evidente que há um abismo comportamental entre o balconing e uma leve dor de cabeça causada por uns copos de vinho a mais. Por outro lado, pensar em viagens 0% álcool abre todo um leque de possibilidades, que pode enriquecer ainda mais os nossos deslocamentos. Em última medida, torná-los mais adequados àquilo que buscamos em determinada viagem, driblando a pressão social que existe para começarmos as férias com um brinde.
Conectar-se profundamente consigo ou com outras pessoas, praticar esportes, fazer voluntariado e participar de aulas são algumas das atividades buscadas por quem dispensa bebidas em viagem. Pode ser interessante trocar os taninos de uma degustação por endorfina proveniente de um dia de trilha vez ou outra. Além disso, em locais onde o álcool está nos centro das atrações, o turista sóbrio tem a chance de fugir da massa ao encontrar novas perspectivas, talvez mais revigorantes.
Os destinos estão atentos ao movimento dry-tripping. Nos últimos anos, Santorini têm tentado desvincular-se da imagem de ilha de festas a fim de atrair turistas sóbrios, que por sua vez interessam-se mais pela natureza grega. Já no Bairro Alto, tradicional reduto boêmio de Lisboa, há uma campanha em vigor para que os frequentadores dos bares façam mais silêncio.
Nunca viajei especificamente com o intuito de não beber. Nem mesmo quando era para ser assim: em visita ao Marrocos no início do ano, um dos melhores destinos para sober travel, o francês dono do hotel sugeriu harmonizar o cuscuz com um rosé do Meknès raríssimo de encontrar e, obviamente, não resisti. Tudo bem, sem culpa. Para mim, a direção é o equilíbrio: por vezes, para encontrá-lo, é preciso conseguir andar em linha reta.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Costa Rica: abundante em belezas naturais e vida selvagem, com a possibilidade de realizar inúmeras atividades e esportes outdoor, também dispõe de SPAs muito bem avaliados;
— Nepal: além de ser um destino de trilhas, uma vez que está à beira do Monte Everest, oferece retiros de bem-estar mais em conta que em outros países;
— Jordânia: onde a população bebe pouquíssimo e, em contrapartida, o destaque fica para a História e a cultura gastronômica;
— Irã: país islâmico, portanto que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas, mas que oferece muito além de turismo religioso, como a possibilidade de conhecer a suas montanhas e a sua arte;
— Butão: onde o consumo de álcool é muito baixo e existe apenas em sinal de respeito, é procurado para quem gosta de trilhas em paisagens estonteantes aka a cordilheira do Himalaia.
→ Tem alguma recomendação? Deixa pelos comentários!
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— Geração low-cost, filme franco-belga sobre o escapismo da aeromoça de uma companhia aérea de baixo custo, talvez retratando bem uma geração;
— Roteiro de viagem de filha para pai, vídeo que ilustra a alegria que também sinto sempre que organizo um passeio para quem amo (obrigada pelos brindes de Pálinka e pelo envio, Isa!);
— Coréia do Norte reabre ao turismo em dezembro, após cinco anos fechada em função da pandemia e talvez otras cositas más;
— Sweden is also calling, não só depois que visitei Malmö há poucas semanas e fiquei com gosto de quero mais, mas também em função de três relatos incríveis de viagem: um de Skåne publicado por Amalie Moosgaard via
, outro de Ljungskile, escrito pela na sua e mais um de Grinda, com belas fotos da Maria Guedes;— Reviews negativas para a… natureza, o projeto deste fotógrafo mostra que é mesmo impossível agradar a todos, principalmente em tempos de turismo de massa e cultura influencer.
Obrigada pela leitura! Dou as boas-vindas a toda a gente que se juntou nos últimos dias: já somos mais de 400 pessoas, vocês acreditam?
Espero que se sintam em casa e que gostem do que encontram por aqui! Bom proveito e até a próxima edição.
Um abraço apertado,
“The real voyage of discovery consists not in seeking new landscapes, but in having new eyes”, Marcel Proust, escritor francês.
creio que tudo na vida é equilíbrio... e, como você disse, prefiro a qualidade à quantidade.
Andei pensando nisso esses dias! Desde que me formei na faculdade parei de beber - com exceção dos vinhos. Acho incrível toda a arte que envolve a enologia, e eu adoro viajar para conhecer vinícolas. Mas no final das contas é isso, não importa que o vinho seja algo considerado “sofisticado”, o álcool continua lá.
Acredito que a chave é mesmo saber equilibrar. Ninguém merece recusar um cuscus marroquino que harmoniza perfeitamente com um rosé raríssimo, poxa haha