55 | Ler, escrever, viajar 📓
Festivais literários, retiros de leitura e residências de escrita: os livros nunca estiveram tão presentes nas viagens e vice-versa.
Read to walk—walk to read, o motif da Desired Landscapes.
Pouco antes de embarcar para a Grécia no mês passado, soube de um lugar que não poderia deixar de conhecer na sua capital. Uma pequena livraria, que também edita e publica revistas, mapas e guias de viagem. Na esteira disso tudo, ainda promove passeios a pé bastante originais.
Esqueça a Acrópole, o Museu Arqueológico ou o distrito de Plaka. A proposta é experimentar os espaços urbanos a partir de lentes menos conhecidas, sobretudo em uma cidade tão turística quanto Atenas, no boom do turismo pós-pandêmico. Algo que definitivamente merece ser replicado em outros contextos.
Um exemplo é este walking tour pelas estoas, um elemento arquitetônico da Grécia Antiga existente até hoje. Outro é um recorrido pela tipografia presente nos letreiros da cidade. Quem guia é a própria Natassa Pappa, a one-woman-company por trás da Desired Landscapes, que está inserida justamente em uma destas galerias. Tendo uma gráfica como vizinha, diga-se não tão de passagem.
Tive o azar de visitá-la em um dia de portas fechadas. Mas, como o espaço é pequeno e parece uma vitrine, consegui ler todos os títulos expostos. Pude, então, perceber como a proposta é expandir as páginas impressas para caminhadas, cursos e encontros. Sempre na tentativa de oferecer novas formas de imaginar as cidades por meio de cultura visual.
Ler para caminhar e caminhar para escrever, em um ciclo que se retroalimenta. E repete-se. “Vejo isso [caminhar] como um método de pesquisa. Leio sobre um lugar para obter algum contexto e, em seguida, caminho até lá para realmente vivenciá-lo; ou caminho diretamente para refletir no local e depois escrever sobre isso. É ao mesmo tempo acadêmico e crítico, pois é subjetivo, pessoal e literário. Ambos são igualmente válidos para minha pesquisa”, argumenta Pappa em entrevista à The Greek Foundation.
Gosto imenso de visualizar os livros no centro das viagens, como lugares de partida e de retorno. Ajudam a planejar e a criar expectativas, propiciam um mergulho em determinado contexto e ainda prolongam, de certa forma, os deslocamentos físicos.
Antes de viajar, a edição grega da The Passenger esteve na minha cabeceira. Durante, Deborah Levy e seu August Blue fizeram-me companhia. O título, que se passa entre Atenas, uma ilha cicládica, Londres e Paris, criou uma atmosfera ficcional interessante para vivenciar a cultura da Grécia. Agora, depois de perambular, outros dois livros vão continuar povoando o meu imaginário helênico: Moving the Moon, sobre a noite que Andrea Marcolongo passou sozinha no Museu da Acrópole, e The Penelopiad, a versão feminina da Odisseia escrita por Margaret Atwood.
Livro também é souvenir. E o que veio na minha mala é uma súplica para voltar: um pequeno guia para viajantes curiosos com dicas e receitas da Grécia, escrito por uma italiana que se apaixonou há três décadas pelo país. Ao final, há algumas páginas em branco para um próprio travel journal.
Ao combinar viagem, leitura e escrita, percebo que as narrativas das páginas misturam-se àquelas vividas, tornando tudo mais interessante. A imaginação funde-se à realidade, então vê-se com o que se leu e lê-se com o que se viu. Os títulos certos ampliam a compreensão dos territórios e vice-versa, um desdobrando-se no outro. Quem lê em trânsito, viaja duas vezes. E, quem escreve ao viajar, prolonga a memória do que não se quer esquecer.

Recentemente, soube que os retiros de leitura são uma das principais tendências na indústria do turismo em 2025. Isso porque toda a gente quer ler — vide a multiplicação de clubes de leitura nos últimos anos —, mas nem toda essa gente consegue encontrar no cotidiano o foco necessário para mergulhar num livro. Viaja-se, então, para afastar-se do trabalho e de casa, desligar as notificações e, finalmente, ler sem interrupções.
A maioria destes reading retreats envolve um pequeno grupo de pessoas que viaja até determinado lugar, idílico ou não, compartilha hospedagem e refeições, e intercala atividades opcionais aos momentos dedicados à leitura. Seria como viajar com o grupo que você se reúne periodicamente para discutir um livro, mas sem a necessidade de todos lerem o mesmo título. O objetivo é, apenas, o momento de leitura compartilhada, sem pressão para turistar além das páginas como em uma viagem tradicional.
Depois, há as residências de escrita, que se valem de raciocínio semelhante aos retiros de leitura, mas no sentido oposto: um lugar à parte das distrações da cidade voltado para quem quer imaginar e pensar a partir do ato de escrever. Onde escritores procuram imagens, palavras, significados e significantes. Para que possam materializar viagens literárias.
Uma, em especial, me chama muito a atenção e, por que não, tornou-se um sonho. Trata-se da Residência Literária Finestres, uma casa na Costa Brava, à beira do Mediterrâneo, toda pintada em branco, como uma página. Lá, em 1930, Truman Capote refugiou-se para escrever In Cold Blood. Quase um século depois, a fundação por trás da livraria de mesmo nome em Barcelona transformou-a em um espaço de entrega à arte e à natureza mediterrânea.
Recentemente, Mónica Ojeda foi uma de quatro residentes que a casa acolhe por mês. Antes dela, Mariana Enriquez e Gabriela Wiener também valeram-se da inspiração proveniente da paisagem mediterrânea para escrever. Para além dos livros publicados, há os diários escritos por cada participante durante a estadia. A maioria é em castellano, mas a Casa Sanià está aberta às palavras em todos os idiomas.
Por fim, a celebração deste viajar à volta dos livros pode estar nos festivais literários, que também movimentam o turismo entre leitores. Nesse contexto, aprecio a forma como apresenta-se a Flip: uma festa dos livros, a primeira a que fui na vida. Talvez pela leitura ser um ato em solitário, partilhado apenas com autor, eventualmente tradutor ou clube de leitura, é que seja tão bom estar na companhia de outros leitores, tendo conversas relacionadas e não só, ampliando horizontes.
Já o último festim do gênero em que estive presente, uniu justamente a literatura à viagem, como se fosse necessária uma cola para unir estes dois mundos. Não é. Têm mais em comum do que se pode imaginar.

FLÂNEUSERIE 💃🏻
[Recomendações de lugares por onde andei, testei e aprovei]
— Flip, em Paraty;
— Fólio Festival, em Óbidos;
— Festival Utopia, em Braga;
— Literatura em Viagem, em Matosinhos;
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Louisiana Literature Festival, na Dinamarca;
— Santa Maddalena Foundation, que promove um retiro para escritores na Toscana;
— Frankfurt Book Fair, considerada a maior feira do livro do mundo;
— Feria Internacional del Libro de Guadalajara, o grande evento literário da cena hispanohablante;
— Correstes d’Escrita, no Norte de Portugal.
→ Tem alguma recomendação? Deixa pelos comentários!
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— Um passeio para conhecer o panorama literário de São Paulo, a experiência desenhada pela
para o Airbnb;— Sant Jordi 2025 em fotografias, a data que celebra os livros e o amor em Barcelona;
— Clube Nomad, que promete uma volta ao mundo literária;
— Abrir livrarias para aquecer a economia, assim renasceu esta vila espanhola;
— Casablanca sem celular, internet e guia, um relato de viagem em desconexão para reconectar-se.
Obrigada pela leitura! Me escreve de volta para continuarmos a conversa sobre viagens centradas nos livros?
Bom proveito e até a próxima edição!
Até breve,
“Wherever you go becomes a part of you somehow”, Anita Desai, escritora indiana citada pela
.
Grato pelas dicas, valiosas como sempre. Algumas delas já estão registadas no meu livro de notas...
Sobre Atenas, onde estive em 2023, em família, foi uma das cidades que mais nos tocou nos últimos anos. E não, não foi pela Acrópole ou pelas impressionantes ruínas que povoam a cidade. Foi Psiri, o mercado, a comida mediterrânica e o sentimento de afinidade que sentimos, e que se havia de prolongar até Salónica. Um esboço do relato da viagem continua na pasta de esboços inacabados. Talvez seja hora de voltar a ele...
Puxa, quantas dicas legais e que provocam a vontade de buscar feiras e festivais de livros. Obrigado por compartilhar! Fiz uma lista já!