«No hay nada más hermoso que la forma en que el océano se niega a dejar de besar la costa, sin importar cuántas veces se aleje», de Sarah Kay.
Acabei com um jejum de quase seis meses sem banho de mar. O último havia sido no começo de outubro, em um verão que se alonga um bocadinho mais a cada ano que passa. É isso ou a minha pele acostumada às temperaturas geladas do Atlântico Norte.
Estações do ano à parte, basta um solzinho um pouco mais quente, um dia com menos vento e lá estarei molhando pelo menos os pés. Com sorte e coragem, o corpo todo, cabeça incluída, como no último sábado. Olhos fechados para furar a onda, já que não consigo abri-los debaixo d’água.
Abro mão da visão para sentir todo o prazer a partir de outros sentidos. Começando pelo marulho, esse tipo de eco do estado de espírito do mar, que por vezes também é o mesmo do nosso. Seguindo por sentir a água molhar todo o corpo para depois secar ao sol, relaxando cada músculo e fazendo com que nos queimemos mais rapidamente. Tudo por conta do sal: mais pronunciado em praias de mar aberto quando comparado às enseadas. E depois o sono, em uma siesta ou mesmo à noite, o mais reparador de todos.
Tenho uma ligação muito forte com o mar. Uma herança dos meus pais que carrego no corpo. Minhas memórias mais felizes de infância foram construídas à beira-mar. Me tornei adulta em uma ilha, onde também conheci o amor da minha vida. Fui de um porto a outro, percorrendo oito mil quilômetros com o oceano pelo meio. Saí da ilha para ver a(s) ilha(s).
Nesta altura do ano, quando tomates de qualidade e até manjericão voltam a aparecer nas bancas e na horta da varanda, possibilitando almoçar sorvendo o aroma de uma salada caprese, eu só consigo pensar em praia. Encaro mesmo uma contagem regressiva para o verão, o auge da festa deste renascer que envolve viver em ciclos bem marcados. Para deixar tudo ainda mais alegre, é quando fazemos aniversário: eu, meu companheiro e até o meu cachorro. Uma família estival.
Também são nos dias mais quentes quando mais coloco em prática a islomania, um tipo de entusiasmo obsessivo que mantenho por ilhas. Porque se praia é bom, melhor ainda é estar cercada delas. E, claro, de mar.
«A rare condition of the mind but by no means unknown. A passion and a particular attraction for the islands», na definição do romancista e poeta britânico Lawrence Durrell.
Já contei aqui que a primeira viagem que fiz depois de mudar de continente foi para uma ilha na Galícia. Mas só foi dois anos depois, no Sul da Itália, que firmei o compromisso de visitar a cada ano pelo menos uma porção de terra rodeada de água, preferencialmente daquela. Do porto de Napoli e com um vulcão à espreita, fui arrebatada pelo Mediterrâneo, mesmo com o leve arrependimento de ter escolhido Capri em vez de Ischia ou Procida para pernoitar.
Depois vieram Mallorca e Sardegna. Este verão, se tudo der certo, o destino será um arquipélago! A lista de sonhos é infinita e, por isso, até comprei para deixar na cabeceira o Atlas of Remote Islands, um livro premiado no qual a alemã Judith Schalansky lista 50 ilhas onde nunca pisou e nem nunca pisará. É preciso aceitar a realidade — o que inclui a própria mortalidade — para fazer escolhas melhores, de vida e de viagem.
Aqui tão pertinho, o Mediterrâneo é a “pátria da beleza”, como descreveu Predrag Matvejevitch em seu Breviário Mediterrânico, no que dizem ser o grande livro sobre a mais bela das viagens: «Mar, oliveiras, ruínas, portos, faróis antigos, ilhas, mitos, navios — e uma raríssima sabedoria», que tento absorver a cada nova visita. Soma-se a isso o fato deste mar exigir menos coragem para mergulhar de cabeça, já que as temperaturas assemelham-se mais aos meus parâmetros catarinenses. Sem esquecer da paleta que enche os olhos de todos os tons de azul.
Olhando para trás, penso que minha mania de ilhas começou em uma viagem ainda durante a adolescência. No trabalho, meu pai ganhou passagens aéreas para qualquer lugar do Brasil. Não pensou duas vezes: Fernando de Noronha. Passamos dez dias mergulhando em toda e qualquer praia da ilha pernambucana. Para desespero da família na volta, a câmera estragou ainda no aeroporto, fazendo com que perdêssemos todas as fotos tiradas naquele começo de era Cyber Shot. Só restaram as imagens feitas debaixo d’água com um equipamento descartável.
Não é de hoje o fascínio que as ilhas provocam. Seja pela particularidade da sua geografia, pela existência de lendas e mistérios, histórias de tragédias e encantamentos ou por situações de isolamento, mas também de comunhão. Para mim, estar em uma ilha significa mais chances de ter no horizonte a linha do mar e, portanto, de me perguntar o que há do outro lado. Um questionamento que me move desde criança.
FLÂNEUSERIE 💃🏻
[Recomendações de lugares por onde andei, testei e aprovei]
— Capri: um delírio belíssimo, onde a autenticidade está mais em Anacapri;
— Mallorca: a maior das ilhas baleares, o paraíso mediterrâneo da Espanha;
— Sardegna: região insular e montanhosa da Itália;
— Islas Cíes: arquipélago galego de pouquíssima intervenção humana;
— Fernando de Noronha: talvez o lugar mais bonito do Brasil, pelo menos da ínfima parte que eu visitei.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Islândia: o país insular nórdico que deve render a melhor viagem ao estilo National Geographic (by the way: adorei o episódio de Somebody feed Phil de lá!);
— Gozo, Malta: a Blue Lagoon deve ser linda, mas a ilha de Gozo me parece ainda mais convidativa, além de um convite à contemplação;
— Socotra: no Oceano Índico, esta ilha que pertence ao Iêmen é conhecida pela flora e pela cor do mar;
— Cabo Verde: arquipélago vulcânico na África onde também se fala português e desejo ir antes mesmo de ganhar um vinil da ótima Cesária Évora;
— Creta: a maior ilha grega, parte de um país onde é difícil escolher apenas uma. Talvez ajude esta curadoria do Beautiful Destinations para viajar em 2024).
→ Tem alguma recomendação? Deixa pelos comentários!
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— The case against travel, ensaio publicado na revista New Yorker reflete sobre as possibilidades de viajar: nos tornar as melhores e as piores versões de nós mesmos;
— Assédio sexual até em estátuas, ou por que você deveria parar de apalpar os seios da Giulieta em Verona;
— Il Giornale, collab belíssima entre Sézane e Italy Segreta com guias de viagem para vários destinos italianos, além de receitas de pratos clássicos, para lançar a coleção de roupas primaveris Aprile in Italia;
— Swim & Sun, um dos últimos guias publicados pela Monocle com dicas de piscinas, praias, rios e toda sorte de lugares para dar um belo tchibum. Sem esquecer do jornal anual do Mediterrâneo;
— Deserto Rosso, trecho de filme de Michelangelo Antonioni na Isola Budelli, no Arquipélago La Maddalena, na Sardenha, que ganhou o Leão de Ouro em 1964.
Every spring, it’s the scurvy-grass flower that comes first. It thrives only in the north, along the coasts where seamen once planted it. The flower is white and tiny and has a sharp smell. The next to come is the wild pansy, and then all the others in a perfect frenzy of blossoming. — Tove Jansson, em Notes from an Island.
Obrigada pela leitura até o fim! Aliás, muitíssimo obrigada por estar aqui nesta vigésima quinta edição de Bom Proveito, lançada há seis meses.
Espero que você esteja gostando tanto quanto eu desta jornada. Ser lida por gente tão querida é um grande presente, pelo qual brindarei hoje!
Bom proveito e até a próxima edição – toda sexta-feira na tua caixa de entrada ou no aplicativo do Substack!
Um abraço de urso,
“Nós, também, somos feitos de água. De mares imensos e convidativos”, Ada Limón.
6 meses já? Quer dizer, 7, já que estou comentando com quase um mês de atraso.
Eu não tenho esse apreço pelo mar, mas também nunca morei em cidade litorânea. Quando criança fui várias vezes a João Pessoa, achava divertido mas nada de mais. Só fui me encantar por águas mesmo quando passei a ir a cachoeiras aqui no Cerrado. E aí o fato de serem de água doce me anima mais.
Dito isso, eu já acho qualquer litoral ao sul da Bahia muito gelado, não sei se conseguiria entrar no Atlântico Norte. Tou acostumado com as praias nordestinas e suas águas mornas.
Gosto muito do seu blog. Viajo com você, com suas vivências e reflexões. Percebi que conheço poucas ilhas. Preciso viajar mais… um beijo.