9 | Desenhando roteiros de viagem ✍🏼
Uma carta sobre como pesquisar, criar e seguir itinerários para viajar melhor sem esquecer de deixar espaço para o inesperado. E o que isso tem a ver com Design.
“Só vemos aquilo para que olhamos. Olhar é um acto de escolha", John Berger em Modos de ver.
Porto, Portugal, Dezembro de 2023.
Caro Rafael,
Confesso que me assustei quando soube que teria que escrever uma carta a partir de alguma edição da
, newsletter semanal de nicho pela qual você é responsável por curadoria e edição para mais de 500 mil designers interessados em pensar criticamente. É que, apesar de recentemente andar flertando com essa profissão, sou jornalista e tenho no máximo um pé no marketing e outro em branding. Como curiosidade não me falta, fui fazer o que sei de melhor: pesquisar, ler e formular perguntas.Gostei da reflexão que você fez sobre essa disciplina que versa sobre a experiência do usuário em Para onde estamos indo?. Também me interessei pelo questionamento se Design é mesmo sobre resolver problemas?, mas foi quando li um guest post de quando o coletivo ainda publicava em outra plataforma que enxerguei o fio condutor desta missiva.
Não sei se você lembra, Rafael, mas a Amanda Ulitska compartilhou o que aprendeu quando teve que organizar uma viagem em grupo. Mais do que isso, a UX Designer contou como superou os desafios com algumas práticas de Design. Ela falou de escolhas, acordos, facilitação e improviso — úteis não só no dia a dia profissional dela, mas de tantas outras pessoas e, sobretudo, quando se viaja.
Apesar de viajar mais em dupla, me identifiquei bastante. Talvez porque esteja justamente agora com meus pais em casa para passar o fim de ano e passear por Portugal, mas principalmente porque planejar e criar roteiros de viagem é o meu hobbie — uma das formas de viajar quando não estou em deslocamento. Gosto de montar itinerários para mim mesma e pessoas próximas. E, modéstia à parte, é algo que faço bem feito, sabe? Conto com a confirmação de amigos nos comentários, risos.
Quero te contar que, em 2023, finalmente abracei esta persona que habita timidamente em mim há uns bons anos, sendo Bom Proveito a primeira materialização em torno disso. Descobri que existe até um nome pomposo para esta profissão que começo a perseguir a partir da escrita: Travel Designer.
Então, Rafael, se me permite, gostaria de introduzir aos viajantes que me leem esse assunto que une os nossos dois mundos. Não se trata necessariamente de fazer jabá, mas de compartilhar o meu modo de fazer e, com sorte, saber se e como também organizam as viagens que decidem fazer por aí.
Como você mesmo escreveu, Design nem sempre é sobre resolver problemas, podendo ser ao mesmo tempo lidar com oportunidades. Pessoalmente, acredito que a intersecção com as viagens aconteça mais no segundo cenário. Digo isso porque o desenho de roteiros personalizados, por exemplo, envolve criação, validação e é opcional.
Na maioria dos casos, ninguém vai morrer se embarcar em uma viagem sem um planejamento, mas a vivência pode ser muito mais rica quando se sabe o que vale a pena ver, fazer ou experimentar. Não abro mão porque viajar — e viajar bem, de forma significativa e memorável — é o que mais gosto de fazer nesta vida. E quem vai ao mar prepara-se em terra.
Sei que é um privilégio. Outro maior ainda é contratar um serviço de Travel Design, que pode resolver o problema da falta de tempo em parar, pensar, pesquisar, curar e encaixar todos os elementos de uma viagem. Desde destino, passando por hospedagem e deslocamentos, até atividades a serem feitas. Por vezes complexa, a tarefa de montar um roteiro assemelha-se a um quebra-cabeça: instiga e relaxa a cabeça ao mesmo tempo. Faz sentido, não faz, Rafael?
Embora planejar seja algo natural para mim, me esforço para deixar o elemento surpresa entrar em cena nas minhas viagens. As memórias inesquecíveis são quase sempre construídas aí. Por isso, defendo que roteiros não engessem, mas que ampliem possibilidades.
Nada mais frustrante do que uma viagem cronometrada milimetricamente, sem espaço para a espontaneidade, ainda mais quando se está de férias. Em certa medida é preciso ter JOMO, a sigla em inglês que dá conta da alegria em vez do medo de “perder” coisas, e isso passa por aceitar que é impossível conhecer tudo de um lugar que, assim como nós, está sempre mudando. Pensar sobre isso é encarar a própria mortalidade.
Além disso, itinerários muito cheios são o oposto do slow travel, a alternativa ao turismo de massa. Importante para nós enquanto indivíduos vivendo em uma sociedade acelerada e, principalmente, para o planeta, que suplica cada vez mais para que sejamos bons viajantes. Talvez isso signifique viajar menos, mas viajar melhor — é exatamente aí que o desenho de viagens ganha importância, Rafael.
Em linhas gerais, eis o meu processo ao planejar uma viagem:
Identificar a motivação da viagem: descansar, cansar, contemplar, conhecer pessoas, vivenciar uma cultura bem diferente, ver uma exposição etc;
Escolher o destino: puxar de alguma lista de desejos, aproveitar uma promoção de passagens ou visitar alguém, por exemplo;
Pesquisar as atrações: apostando em fontes confiáveis — sites oficiais de turismo, publicações nacionais e internacionais, online e offline, preferencialmente especializadas, perfis de viajantes com os quais há identificação, além de sites de review, mas sempre com um pé atrás porque a compra de avaliações positivas infelizmente tem sido frequente;
Definir orçamento e duração da viagem: uma coisa está ligada à outra, portanto podem ser analisadas em conjunto, inclusive com as opções disponíveis no próximo passo;
Comprar as passagens: de ônibus, trem, avião ou aluguel de carro;
Reservar a hospedagem: não sem antes identificar onde estão as principais atrações a serem visitadas, bem como analisar as formas de locomover-se oferecidas. Em relação ao tipo de alojamento, considerar o estilo da viagem. Não é preciso gastar muito, se for passar pouco tempo na hospedagem;
Definir o meio de locomoção para a estadia: a pé, bicicleta, transporte público, táxi ou veículo próprio, levando em conta as ofertas no local;
Criar itinerário: selecionar as atividades e distribuí-las pelos dias da viagem, sem sobrecarga para garantir descobertas in loco. Com um UX Writing afiado, Rafael, deixo tudo em tópicos e com os respectivos links em uma nota no celular.
Parece simples, mas boa parte do planejamento das viagens que faço acontece no dia a dia, sem haver necessariamente um embarque em vista. Para mim, além de autoconhecimento no sentido de saber o que quero, o segredo é manter a curiosidade aguçada e estar sempre em busca de novidades.
Ser uma espécie de UX Researcher para as férias, sabe, Rafael? Minhas e de quem me consulta. Gosto quando alguém se deleita em algo pelo qual me interessei e repassei a dica. Viajar com o olhar de outras pessoas e estabelecer conversas ao redor disso também me contempla.
Ainda sobre o desenho de roteiros, é importante ter a disciplina de salvar as referências encontradas em um local onde serão facilmente consultadas na hora de elencar o itinerário. Não à toa há tantos viajantes fazendo as vezes de Product Designers ao criar soluções para viajar melhor com o suporte da tecnologia — algumas delas estão listadas nas seções de Bom Proveito a seguir — e surfando a onda da economia da recomendação.
Uma viagem começa muito antes do embarque e termina bem depois de desfazer as malas. Antes do planejamento, há a intenção. Após a execução, vem uma espécie de reflexão na forma de balanço, que é inclusive muito útil para aprimorar deslocamentos futuros. Mas o melhor mesmo é o aprendizado que fica, em especial aquele gentilmente repassado por pessoas locais.
Que bons ventos te levem aos lugares onde e com quem você deseja estar neste fim de ano, Rafael. Desejo também que 2024 chegue com gentileza e te surpreenda positivamente a cada novo mês. E conta comigo, se quiser ajuda para viajar!
Um abraço com carinho,
Gabi.
Bom Proveito de hoje tem formato epistolar porque estou participando de um troca-troca de cartas entre escritores de newsletters — obrigada pela acolhida com esta novata que vos escreve, pessoal!
A , da , me tirou como amiga secreta e escreveu esta edição belíssima (Embrulha pra viagem) baseada no que publiquei em Livro também é souvenir. Vão lá ver!
Daqui, adorei ler alguns textos do para a newsletter e adiantar com você que me lê a conversa sobre Travel Design, um serviço que passarei a oferecer em 2024. Estou animada!
Se você caiu de paraquedas aqui e gostou do que viu, assine pelo botão abaixo para receber meus e-mails semanalmente:
FLÂNEUSERIE 💃🏻
[Recomendações do que funciona nas minhas viagens]
— Google Maps: é o simples que funciona para salvar os lugares que desejo visitar. Basta guardar em uma das listas pré-existentes ou criar uma própria. Depois no overview, os endereços ficam sinalizados;
— AmiGo Travel: aplicativo de recomendações curado por uma comunidade de especialistas onde já encontrei lugares incríveis para conhecer;
— Splitwise: outro app que descobri recentemente, mas para dividir as despesas, facilitando muito o acerto de contas em viagens;
— 36 hours… The New York Times: coluna que sempre consulto ao pesquisar destinos, com informações, texto e fotos deliciosos;
— MyMind: serviço ótimo para quem faz curadoria em geral, já que facilita salvar referências de todos os tipos e ainda usa IA para organizá-las;
— Rome 2 Rio: site que visito sempre quando quero descobrir meios de locomoção existentes entre destinos.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[O que ainda quero testar — ou testar mais — nas minhas viagens]
— Step your world: semelhante ao AmiGo, app para encontrar, salvar e compartilhar lugares feito por travel experts;
— Outliers Guide: já fiquei em uma das hospedagens curada pela Julia Juste, que são verdadeiras atrações, mas a vontade é de conhecer todas;
— Wanderlog: este ano, em Salamanca, comecei a usar este aplicativo para organizar as informações da viagem e gostei do que vi, mas não fui até o fim e pretendo explorá-lo melhor numa próxima;
— TripAdvisor: um clássico de avaliações que acabo consultando pouco, mas que recentemente aprimorou muitas funcionalidades;
— Omio: aplicativo que centraliza a compra de bilhetes dos variados meios de transporte. Usei brevemente na Emilia-Romagna e gostei.
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— Um roteiro com os melhores lugares para NÃO conhecer em 2024, do novíssimo Pronto Jornal, focado em turismo e cultura;
— Por outro lado, 50 destinos para apostar no ano que vem, segundo a Travel and Leisure;
— Da sigla you only live once (você só vive uma vez), uma edição da newsletter Yolo Intel, da revista Yolo Journal, que adoro acompanhar;
— Dois reports de tendências: um do Design Hotels, focado em viagens, e outro do Pinterest, mais geral e com uma ótima navegação;
— O perfil @cremelamare no Instagram, que está quase sempre perto do mar;
— Invernagem, a gestação de uma viagem, pela inspiradora Tamara Klink.
Obrigada por ter lido até o fim! E, principalmente, por ter embarcado nesta jornada da newsletter comigo em 2023. Fazia tempo que criar não me dava tanto prazer, e isso se deve às trocas generosas que tenho mantido com quem me lê com tanta atenção.
Este é o meu último envio geral do ano. Antes de curtir Natal e Réveillon com a família (quem é imigrante sabe a grandiosidade disso), ainda envio a segunda edição de Portal do Mundo — uma coluna dedicada à literatura de viagem exclusiva para assinantes pagos.
Leia uma amostra sobre M Train, de Patti Smith. No fim deste mês-ano-mundo, vou escrever sobre A triunfante, de Teresa Cremisi, uma das minhas melhores leituras do ano. E ainda dar dicas relacionadas ao universo abordado no livro: Egito-Itália-França às voltas do Mediterrâneo, imigração, pertencimento e família. Vem comigo?
Bom proveito e até a próxima edição – toda sexta-feira na tua caixa de entrada ou no aplicativo do Substack — de volta logo na primeira semana de 2024.
Boas festas, bom descanso, boas viagens!
Um beijo e um abraço com carinho,
“Quem anda nos trilhos é trem de ferro, sou água que corre entre as pedras: liberdade caça jeito", Manoel de Barros, poeta modernista brasileiro.
Estou lendo com bastante atraso minhas newsletters, então só hoje cheguei nessa. Eu também adoro planejar viagens, mas infelizmente fui atropelado pela vida na última década e não tive tempo de me dedicar direito a isso. Mas lá por 2015 cheguei a fazer um planejamento completo pra uma colega de trabalho e o marido irem pra Europa.
Gosto cada vez mais da sua newsletter, parabéns!
Eu me beneficio desses roteiros de viagem há quase 8 anos e posso garantir que valem a pena! Eu sou muito sortudo! 😄