52 | Casas-museu 🏘️
Lares convertidos em espaços museológicos para adentrar, mergulhar na vida de quem lá viveu e voltar para casa com mais inspiração.
The home should be the treasure chest of living — Le Corbusier, arquiteto e urbanista franco-suíço.

Refletir sobre o que significa a casa é algo recorrente entre quem se move pelo mundo. Enquanto espaço físico, vejo-a como uma extensão de quem a habita. Um organismo vivo, por isso mesmo. Reflete estados de espírito, fases, memória e sonhos.
Tamanha a imersão, vez ou outra, é preciso sair de casa. Como se saíssemos de nós mesmos. Com alguma frequência, viaja-se precisamente para isso: deixar a rotina para trás por uns dias, respirar novos ares, observar diferenças. Tem quem goste e quem desgoste do retorno. There is no place like home, dizem.
Entretanto visitam-se outras casas. Às vezes em uma hospedagem, outras enquanto museu. Pergunto-me se pode existir algo mais íntimo do que isso, adentrar o espaço de alguém ou que já foi de alguém. Circular por cômodos que presenciaram desde momentos banais até aqueles de que não se esquece, pelo bom e pelo ruim. Navegar pela memorabilia, identificar um tipo de patrimônio histórico pessoal.
É algo de que gosto de fazer quando viajo. Não que procure especificamente por casas-museu, mas aprecio observar a conversão de um espaço doméstico em museológico em função do que e quem ali conviveram. Costumam ser mais pessoais, por óbvio, aconchegantes. Também abarcam interesses, precisamente o que nos constitui.
Na última vez em que estive em Madrid, consegui visitar o Museo Sorolla, dedicado ao pintor impressionista Joaquín Sorolla, um mestre da luz natural, cuja obra já havia visto espalhada por outras cidades. Para minha surpresa, o seu trabalho estava instalado no que já foi a sua casa, que preserva até mesmo o seu ateliê e materiais de trabalho.
Ao final da visita, após percorrer quartos, banheiros, cozinha e quintal, observar os quadros misturados a mobiliário e colecionismo, senti-me mais próxima do artista, talvez mais do que se tivesse visto as suas pinturas em uma galeria qualquer. A montagem destaca as pinceladas impressionistas, mas também o que esteve por trás delas: escultura, cerâmica, joalharia popular, fotografia antiga e um importante arquivo da correspondência que o pintor recebeu em vida. E até o que fazia parte da sua vida nas horas vagas, como o jardim que concebeu no entorno, junto a um pátio andaluz.
Lembrei-me disso no fim do ano, no pavilhão de Veneza na Bienal de Arte, que destacava precisamente o processo de construção de uma das principais mostras de arte do mundo: um ateliê. O início de tudo. O retorno, também, talvez eterno, como à casa.
Antítese do não lugar, nas casas-museu, esse tipo de lugar duplo, existem menos barreiras para a conexão com artistas, movimentos sociais, históricos ou culturais. Seus espaços possibilitam um jeito outro, mais intimista, de contar uma história. Como a do cinema brasileiro, que será narrada a partir da casa do filme Ainda Estou Aqui. Arrisco pensar que será tão ou mais procurada quanto o lugar onde viveu a personagem Carrie Bradshaw, da série Sex And The City. Com a diferença de que o seu verdadeiro morador está cansado de tantos turistas obstruindo a escada tão característica de Nova York.
Nem sempre as portas das casas estão abertas à visitação. De tempos em tempos, o Open House trata de escancarar e esmiuçar os detalhes de algumas das mais interessantes. É um evento que torna acessível espaços de interesse arquitetônico em várias cidades do mundo. Se é interessante conhecer a casa de pintores e escritores, o que dirá de arquitetos. A gênese da arquitetura, afinal.
Jacques Couelle, por exemplo, moldou o estilo incontornável da Costa Smeralda, uma das partes mais visitadas da Sardegna, a maior ilha italiana no Mediterrâneo. É dele uma casa que, não por acaso, chama-se escultura, mas que foi erguida na França. Esteticamente, faz lembrar a Casapueblo, o ateliê do uruguaio Carlos Paez Villaró, cuja voz é possível ouvir todos os dias em uma cerimônia ao sol, no momento da sua descida ao mar, a partir das varandas da sua casa. Esculturais também são as casas de Antoni Gaudí, em Barcelona, sendo a Vicens a minha preferida, mas a sua própria residência convertida em museu é aquela que consegue proporcionar maior pessoalidade à visita.
A Anne Frank House, por sua vez, mostra que nem tudo é beleza ou que é por razões menos óbvias. Prova que a casa também é refúgio, mas que nem sempre é capaz de proteger contra atrocidades. Pelo mesmo motivo, Sigmund Freud teve de fugir da sua em Viena, vindo a estabelecer-se posteriormente em Londres. Convertidas em museus dedicados ao psicanalista, que inclusive via a casa como uma metáfora, é possível visitar as moradas nas duas cidades.
Ainda mais rico é conhecer a intimidade do lar de alguém que gosta de viajar. Quando estive na Chascona, uma das casas-museu de Pablo Neruda no Chile, também pude percorrer os lugares visitados pelo escritor a partir do seu olhar, tanto para fotografias, quanto para souvenirs. Ainda conheci uma faceta nova sua: a náutica, já que a sua casa, a enfrentar o mar de Valparaíso tal qual um barco que se lança ao desconhecido, deixava clara a predileção por deslocamentos marítimos.
Pode haver, no entanto, uma certa melancolia ao visitar casas-museu. Nada que torne difícil a visita, mas que lembra que, para ser, uma casa precisa ser habitada. De gente que a viva em simbiose. Do contrário, é mesmo um museu, ainda que visitado.
Adentrar a casa de alguém é como viajar ao seu mundo. E só viaja quem tem casa, uma base, onde se restaura até a próxima aventura. Considerando que nunca se volta a mesma pessoa, talvez a casa também seja uma viagem em si mesma.
SALVO EM ONDE QUERO IR 💾
[Onde ainda não fui, mas salvei na lista para ir]
— Casa Fernando Pessoa, onde o poeta viveu nos seus últimos 15 anos de vida, com exposições e uma biblioteca focada em poesia mundial, em Lisboa;
— Casa de Vidro, a residência e o primeiro projeto da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi, em São Paulo;
— Münter-Haus, a casa onde a pintora impressionista alemã Gabriele Münter morou com o também pintor russo Wassily Kandinsky, na Alemanha;
— Museo Frida Kahlo e Casa Luis Barragan, ambas no México, a primeira dedicada à pintora e, a segunda, ao trabalho do arquiteto;
— A Casa de Lanzarote, o ninho de José Saramago e Pilar del Río na ilha atlântica espanhola.
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UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— A loja que tenta ser como uma casa parisiense, e que serve até docinhos e chá para quem espera na fila para visitá-la;
— Estética de pescador, por que o hype em torno disto agora;
— Suar ao estilo nórdico, a sauna norueguesa que foi indicada pela TIME como um dos melhores lugares do mundo em 2025;
— Uma onda gigante quebrando bem devagarinho na Nazaré, para dizer adeus ao inverno deste lado;
— A vista de uma ponte, o projeto artístico que convida transeuntes a falarem tudo o que quiserem para um telefone antigo sobre um rio.
→ Leia também:
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Não sei se reparou, mas este é o segundo envio que faço aos sábados em vez de sexta-feira. É um teste, portanto esteja à vontade para dizer o que pensa.
Bom proveito e até a próxima edição!
Com carinho,
“Quiero hacer contigo lo que la primeira hace con los cerezos”, Pablo Neruda, escritor chileno ganhador do Nobel. Trouxe um cartaz com esta frase da sua casa para a minha. Tão bonito pensar que o início da primavera coincidiu com o Dia Mundial da Poesia e até com o ano novo astrológico.
A casa de Jorge Amado e Zélia aqui em Salvador é linda demais!! Vale a visita.
Adorei! Estive em uma casa muito especial que apesar de ser uma réplica (a original pegou fogo) é tida como a Casa Museu Gabriel Garcia Marquez, onde em uma de suas paredes está escrito: "Más que un hogar, la casa era un pueblo"