51 | Dê um rolê, faça um detour 📍
Ninguém aguenta mais viajar para ver turistas, então é hora de fazer escolhas diferentes.
Viajar nos faz bem porque em outra geografia nos readmitimos como ignorantes — pressuposto básico para se maravilhar — e assim, desarmados, de peito aberto, somos tomados pelas surpresas e pelos prazeres que vêm junto com elas. E que fazem a vida valer.
Giovana Madalosso, escritora brasileira em coluna para a Folha de S.Paulo.

Quem nunca se frustrou com determinado destino de viagem que atire a primeira pedra. Para mim, a quebra de expectativa acontece quando chego a um lugar e dou de cara só com turistas. Quem viaja para ver um simulacro de si mesmo, afinal?
Interessam-me as localidades e as pessoas que vivem nela, não parques temáticos criados a partir da fabricação de desejos mediados por algoritmos de redes sociais. Por isso, sempre que possível, tento escolher cidades menos conhecidas para visitar.
Assim, busco uma viagem mais tranquila, econômica, autêntica — por mais questionável que a autenticidade possa ser em uma viagem — e sustentável. Já está mais do que claro que o turismo de massa tem o potencial de destruir os lugares. Não por acaso já se fala em turismo regenerativo.
Como nenhuma experiência é individual, aumenta o número de pessoas que também desviam das rotas tradicionais em seus deslocamentos de férias. Quem identificou a tendência foi a Expedia, que ainda listou detour destinations para 2025. Composta por Cozumel, Abu Dhabi, Palm Springs e Reims, a lista talvez tenha prazo de validade, mas encaro como o começo de uma possível mudança de mentalidade.
Todos nós temos destinos de viagem famosíssimos em nossas listas de desejos. As cidades mais visitadas do mundo povoam imaginários e recebem tanta gente por algum motivo. É normal querer fazer parte disso em maior ou menor escala, mas mesmo os itinerários clássicos só têm a ganhar com a inclusão de alguns desvios de rota.
Tomemos como exemplo a tradicional lista de destinos do New York Times publicada ano a ano. Em vez de sugerir Lisboa ou Porto, o jornal indicou Coimbra como cidade a ser priorizada em uma viagem a Portugal. O motivo? Justamente o excesso de turistas nas outras duas maiores cidades. E mais: a chance de descobrir mais deste território, sobretudo a partir da disponibilidade das pessoas locais.
Custa-me acreditar que alguém que visite um lugar pela primeira vez deixe de conhecer a sua capital, sobretudo por questões logísticas, ainda mais em um país de pequenas dimensões. Até pouco tempo atrás poderia parecer impensável ir ao interior antes dos grandes centros, como se houvesse uma ordem correta de desvendar uma terra — há apenas o que faz sentido para quem viaja. De toda forma, o que interessa aqui é o esforço em descentralizar o turismo. Indo além, em tornar os roteiros de viagem mais interessante para quem os percorre e, ao mesmo tempo, para quem está lá para receber.
Retomando a citação inicial desta edição, não há como ser “ignorante” em lugares que todo mundo já foi ou quer ir. E, sobre os quais, ainda que involuntariamente, sabe-se tudo, ou pelo menos mais do que a média. Consequentemente, é menos provável maravilhar-se nestas mesmas geografias. É como aproximar-se da Torre Eiffel para certificar-se de que é realmente de ferro.
Mas para descobrir coisas novas, tampouco é preciso ir ao extremo de lugares remotos como Groenlândia, Madagascar ou Paquistão, a exemplo da lista a AFAR sobre lugares livres de multidões. Se bem que não era nada mal conhecer todos eles. Mas, sabe-se, é custoso chegar e manter-se por lá. E, se vamos por aí, também rejeito a conversa elitista de que “invadiram as suas férias”, indicando quem chegou primeiro ou quem pode relaxar em lugares disputados como o Mediterrâneo. É impressionante como a escrita de viagem ainda é dominada por narrativas colonialistas.
Nesse sentido, algo que venho tentando fazer em minhas tentativas de detour é identificar onde as pessoas locais passam férias em determinado país. Não só para descobrir os segredos bem guardados, mas para tentar viajar como uma local: com mais tempo e, sobretudo, respeito àquele território e sua população. Para tal, é preciso pesquisa, conversa, curiosidade — algo que nem toda a gente tem a disponibilidade ou a disposição de fazer. Deu certo no ano passado, no auge do verão no Sul da Itália. Espero que também dê este ano na Grécia.
Outra estratégia é investir em lugares que, abertamente, estão chamando viajantes, prometendo não só hospitalidade acima da média ou experiências inesquecíveis, mas principalmente usando o turismo para apoiar comunidades locais, proteger o meio ambiente e o patrimônio cultural. Foi com esse tipo de sugestão que a BBC Travel inaugurou a sua lista de lugares para conhecer em 2025, após consultar uma série de entidades especializadas. Oslo e Açores vieram mais do que nunca para a minha bucket list.
Lugares para viajar com mais significado, tanto para si mesmo, quanto para o planeta, definitivamente não faltam. Basta ampliar o olhar de viajante para contemplá-los em uma próxima aventura. E, com alguma pitada de sorte, superar as expectativas inevitavelmente criadas diante de uma viagem.
UMA ÚLTIMA VISTA D'OLHOS 👀
[Inspiração para espreitar antes de ir embora]
— A trilha sonora da terceira temporada de The White Lotus, que tem se mostrado arrastada, mas compensa no mergulho na música da Tailândia;
— Espaços azuis, por que passar tempo perto da água é bom para a saúde, de acordo com pesquisadores das Blue Zones;
— Coréia do Norte reabre ao turismo, após anos de fronteiras fechadas e é isso o que turistas estão vendo;
— Proibido urinar no mar, roubar areia e andar vestido, eis algumas regras que surpreendem viajantes à volta do mundo;
— Casa do Cinema Brasileiro, a residência da família Paiva retratada em Ainda Estou Aqui, será um espaço cultural dedicado à memória e à sétima arte no país.
→ Leia também:
Muito obrigada por ler até aqui! Me conta se você já fez ou pensa em fazer um desvio no seu itinerário de viagem?
Bom proveito e até a próxima edição!
Um abraço afetuoso,
“Perfection is less interesting. For instance, a page with a poem on it is less attractive than a page with a poem on it and some tea stains. Because the tea stains add a bit of history”, Anne Carson, escritora de língua inglesa.
Sugestão de um livro sobre viagem - que não são comuns, tanto o livro quanto a viagem
https://open.substack.com/pub/luizdeoliveira/p/magma?r=16iq3&utm_campaign=post&utm_medium=web
Eu fico dividido mas acho a proposta interessante. Não admitiria ir à Grécia pela primeira vez sem conhecer o Parthenon mas deve ser muito interessante ver os lugares menos badalados.
Uma preocupação que me ocorre é a idiomática. A vantagem dos lugares super turísticos é a facilidade de falar em inglês. Já no interiorzão não deve ser tão comum.